
No dinâmico e arriscado universo das Fusões e Aquisições (M&A), a due diligence transcende a mera formalidade burocrática para se consolidar como o pilar fundamental de qualquer operação bem-sucedida. No mercado brasileiro muito competitivo, complexo e extremamente político, oportunidades surgem e desaparecem com rapidez e, portanto, a capacidade de avaliar com profundidade uma empresa que possa ser comprada não é apenas uma vantagem, é uma necessidade para mitigar riscos e maximizar o retorno do investimento.
O principal objetivo da due diligence é fornecer ao comprador e ao vendedor uma visão clara e abrangente da empresa que está sendo adquirida. O risco de acontecimentos inesperados devem ser mitigados entre as partes através de um estudo detalhado. No M&A, esse estudo pode ser chamado de due diligence, um processo minucioso que desvenda a realidade por trás dos números e das promessas iniciais. Ela busca identificar não apenas os ativos e potenciais da empresa, mas, crucialmente, seus passivos ocultos, riscos regulatórios, desafios operacionais e quaisquer outros fatores que possam impactar o valor ou a viabilidade do negócio.
Antes mesmo do aprofundamento da due diligence, a assinatura de um Acordo de Não Divulgação (NDA – Non-Disclosure Agreement) é um passo inegociável. O NDA possibilita que o potencial comprador tenha acesso a informações sensíveis e confidenciais da empresa-alvo, como dados financeiros detalhados, estratégias de negócios, listas de clientes e segredos comerciais. Contudo, essa porta se abre sob a condição expressa de que o comprador não pode divulgar essas informações a terceiros nem usá-las em seu próprio benefício caso a transação não se concretize. É uma medida essencial para proteger os interesses do vendedor e fomentar um ambiente de confiança para a troca de dados.
Um processo de due diligence vai além dos balanços e demonstrações de resultado, é preciso questionar a qualidade dos lucros, verificar a existência de receitas recorrentes, identificar despesas extraordinárias e analisar a fundo a gestão do capital de giro e o endividamento. A validação das premissas financeiras que sustentam a avaliação do negócio, a análise de orçamentos e projeções, e a identificação de eventuais passivos contingentes ou off-balance sheet (ativo, dívida ou atividade de financiamento que não está no balanço patrimonial da empresa) são etapas cruciais. Uma análise financeira robusta permite ao comprador e ao vendedor precificar a transação de forma justa e antecipar fluxos de caixa futuros.
Em paralelo, a conformidade legal e regulatória protege o comprador de armadilhas jurídicas. A revisão detalhada de contratos, sejam eles com clientes, fornecedores ou funcionários, é indispensável. Mais do que isso, é vital assegurar que a empresa possua todas as licenças e permissões necessárias e esteja em total conformidade com as leis trabalhistas, ambientais, fiscais e setoriais. A due diligence de propriedade intelectual (PI) é de extrema importância, verificando a validade e a titularidade de patentes, marcas e copyrights, e buscando por litígios de infração que possam comprometer a inovação e o valor futuro do negócio. Qualquer litígio pendente ou histórico de não conformidade precisa ser mapeado para ser mitigado ou precificado na negociação.
A eficiência operacional, cultura da empresa, análise dos funcionários, organização e até limpeza ditam o sucesso da aquisição. Essa análise vai além do papel, exigindo visitas e entrevistas para entender a realidade do dia a dia.
Assim, o capital humano e a cultura organizacional são a alma de qualquer empresa. A análise da estrutura organizacional, a identificação de talentos e as taxas de retenção de funcionários são cruciais.
A due diligence alimenta diretamente a redação do contrato de compra e venda, especialmente as cláusulas de declarações e garantias (Representations & Warranties). Essas são, de fato, o coração do negócio, pois traduzem as descobertas da due diligence em compromissos contratuais. As declarações são as afirmações sobre o estado da empresa, enquanto as garantias são promessas sobre a veracidade dessas declarações, criando responsabilidades para o vendedor caso se mostrem falsas.
É aqui que conceitos como o dolo essencial (Art. 147 CC) ganham vida. Se uma declaração falsa ou uma omissão dolosa é identificada após o fechamento do negócio, as cláusulas de indenização são acionadas, buscando compensar o comprador pelo prejuízo. A clareza e abrangência da indenização para violações dessas declarações e garantias são vitais.
As condições de fechamento do negócio também são diretamente influenciadas pela due diligence, garantindo que o comprador só seja obrigado a fechar o negócio se determinadas premissas forem atendidas. A “Bring Down Clause” e as cláusulas de “Material Adverse Change (MAC)” ou “Material Adverse Effect (MAE)” são exemplos da sofisticação jurídica para proteger o comprador de eventos negativos que ocorram entre a assinatura do contrato e o fechamento. A redação precisa dessas cláusulas é um desafio, exigindo um equilíbrio entre a proteção do comprador e o preço justo pago ao vendedor para que não altere a viabilidade do negócio, evitando termos excessivamente amplos que possam gerar litígios futuros.
A “Bring Down Clause” tem como objetivo exigir a reafirmação das declarações e garantias na data do fechamento, criando assim um incentivo crucial para o vendedor manter a saúde e cultura da empresa durante o período entre a negociação e o fechamento, permitindo ao comprador desistir se houver mudanças significativas.
Já as cláusulas de MAC/MAE funcionam como uma “válvula de escape” para o comprador, permitindo-lhe renegociar ou até desistir do negócio se eventos externos ou internos, imprevisíveis e com grande impacto, depreciarem substancialmente o valor da empresa-alvo.
A redação das cláusulas de MAC/MAE tende a ser elástica e ampla para que possa abranger uma grande gama de eventos, mas, por outro lado, necessita ser clara, objetiva e precisa, para que sejam eficazes e judicialmente defensáveis.
Essas cláusulas, juntamente com a Break-up Fee, que compensa uma parte pela desistência da outra sob certas condições, são instrumentos vitais para alocar riscos futuros e imprevisíveis. Elas garantem que a parte que assume um determinado risco, como a de uma garantia não se cumprir, independentemente de dolo ou culpa, esteja ciente de suas obrigações e consequências. Em suma, essas inovações contratuais são a linha de frente da mitigação de incertezas, permitindo que as partes negociem com maior confiança, sabendo que há proteções contratuais para eventos que podem surgir após a due diligence inicial e antes da conclusão final do negócio.
Considerando que a due diligence, por mais profunda que seja, pode não desvendar tudo, é prudente incluir no contrato mecanismos de ajuste de preço pós-fechamento. Por exemplo, uma cláusula que preveja uma revisão do valor da transação caso um passivo ou ativo material e significativo, omitido ou desconhecido durante a due diligence, seja descoberto após o fechamento.
Além disso, caso alguma das partes abra mão de termos inicialmente cruciais para fechamento do negócio, é estratégico que esses termos ou cláusulas busquem um equilíbrio de chances. Em vez de cláusulas que claramente favoreçam uma parte, é preferível redigir termos que, em uma eventual discussão judicial, ofereçam boas chances de vitória para qualquer um dos lados, tornando o litígio um risco compartilhado e, idealmente, incentivando a resolução amigável. Isso é alcançado com clareza na linguagem e a delimitação precisa das responsabilidades, sem ser excessivamente restritivo para uma das partes.
Em suma, a due diligence não é apenas uma lista de verificações, é uma ferramenta estratégica que permite a alocação inteligente de riscos. É a fase em que a vontade das partes é construída sobre bases sólidas de informação e análise. Ao investir tempo e recursos em um processo de due diligence rigoroso e multidisciplinar, os potenciais compradores e os vendedores podem identificar vulnerabilidades, renegociar termos, ajustar o preço ou até mesmo desistir da operação.
No entanto, é crucial reconhecer que, mesmo com a due diligence mais exaustiva, nem todos os pontos de risco ou incerteza serão sanados. Não raras as vezes, para que um negócio seja fechado, as partes precisarão abrir mão de certos pontos ou aceitar um nível de risco residual. O papel do advogado, neste cenário, é indispensável a fim de informar as partes não apenas sobre os riscos identificados, mas também sobre o potencial prejuízo financeiro ou operacional que a aceitação de um risco remanescente pode acarretar.
Afinal, em uma M&A, como na vida, o risco estará sempre presente. No entanto, um processo de due diligence bem conduzido, amparado por um NDA sólido e cláusulas contratuais inteligentes, não elimina o risco, mas o transforma de uma ameaça desconhecida em um fator controlável e precificável.